O silêncio assustador era engolido junto à saliva, a luta era intensa e vivida há anos, e só os mais próximos faziam ideia. O intuito era este mesmo, de não deixar transparecer no rosto, uma técnica aprimorada ao longo dos anos, que permitia manter o semblante o mais sereno possível, ainda que por dentro, ao invés de borboletas no estômago o que existia era uma faca enfiada no peito, que virava e mexia insistia em fazer questionar a tudo e todos, desde os valores que as pessoas carregam até a arte de sentir tesão, amar ou viver.
Nos dias que passavam era comum se pegar viajando no meio do expediente, observando a obviedade de que o mundo continuava a girar sem sequer se importar com a guerra que era travada entre seus neurônios e seu único coração, que, um tanto quanto teimoso, sempre acabava por vencer e ao final da luta, depois de todo sofrimento, por ele mesmo cultivado, ainda tinha que ouvir do 'tico e do teco' a temerosa frase: eu(nós) avisei(avisamos). O que restava ao final de todas as batalhas? O "peso da razão de ser do universo caido, agora sobre seus ossos, derrubando-o, pelos ombros, ao chão".
Quando pensava e observava as pessoas ao redor, paralisava todos os movimentos e engolia qualquer sentimento passível de exposição. Desta forma, pouco a pouco acabava forçada (por si mesma) a acreditar que não merecia viver a vida que esperava ou sonhava, teria que viver o que era cabido, pensando que as escolhas feitas, que permitissem o desvio deste tal futuro cabido, a fariam miserável, desertora ou ainda de uma ridícula em busca de algo que nunca encontraria, travando batalhas e mais batalhas, sem sucesso, vivendo verdadeiros episódios de "a caverna do dragão".
(...)
Depois de anos de experiência, entendeu que a dor da solidão seria para sempre igual, o que não importava mais, já que via sempre um caminho tortuoso à frente, mas desta vez, talvez pela primeira vez, não via mais nenhum outro. E decidiu seguir em frente, obstinada a enfrentar mais um capítulo como os vividos na história em quadrinhos, ainda que o final (ou o não final) fosse o mesmo de sempre. E o medo tomava conta, e afundava ainda mais aquela faca cravada no peito. Mas decidiu que iria. À frente. Mais uma vez, disposta a ouvir do tico ou do teco a mesma resposta já antes ouvida.
Como uma aparição do mestres dos magos, parecia ter ouvido que haveria de caminhar por onde haveria de caminhar, e tinha ficado tão claro que na verdade eram outros os sonhos, outros os desafios e seria outras as conquistas (e os sofrimentos também). Pagou pra ver.
No primeiro dia da batalha encarou tudo e enxergou, finalmente um novo mundo.
Dava, enfim, seu primeiro passo, num novo ano, rumo a uma nova vida.